sexta-feira, 17 de novembro de 2006

RECADO

ouve-me que o dia te seja limpo 
e a cada esquina de luz possas recolher alimento 
suficiente para a tua morte 
 vai até onde ninguém te possa falar ou reconhecer - 
vai por esse campo de crateras extintas - 
vai por essa porta de água tão vasta quanto a noite 
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te e 
as loucas aveias que o ácido enferrujou 
erguerem-se na vertigem do voo - 
deixa que o outono traga os pássaros e as abelhas 
para pernoitarem na doçura do teu breve coração - 
ouve-me que o dia te seja limpo e para lá da pele 
constrói o arco de sal a morada eterna - 
o mar por onde fugirá o etéreo visitante 
desta noite não esqueças o navio carregado 
de lumes de desejos em poeira - não esqueças o ouro o marfim - 
os sessenta comprimidos letais ao pequeno-almoço 

 Al Berto (1948-1997)

Sem comentários: