"Não quero esta família para nada!" Foram estas as últimas palavras que ouvi ontem, antes de apagar a luz para mais uma noite de normais sobressaltos... quando as paredes brancas do quarto escureceram, depois de dar voltas e voltas na cama, passou-me a mão pelo rosto, afagou-me os cabelos e encostou a minha cabeça ao seu peito, como faz sempre, depois de se acalmar, ponderar sobre o que fez ou disse e sussurrou-me ao ouvido "Eu não queria dizer aquilo, mas estava muito zangada. Eu quero esta família"...
Em silêncio, só para o meu coração ouvir, as lágrimas ganharam vida e ela adormeceu no meu abraço.
A vida não tem sido branda connosco. Entraram para a escola, para um lugar onde tudo era desconhecido - colegas, professores, auxiliares, paredes e espaço exterior. Estão a adaptar-se às pessoas, à rotina, aos trabalhos de casa, ao estudo... à nova realidade. Estão a descobrir quem são num mundo novo, num mundo onde querem encaixar e onde têm de se calar e engolir as lágrimas e os gritos estridentes, onde têm de esconder muito do que são em casa, na casa delas, onde extravasam no final de cada um dos dias em que acumulam aquilo que não podem soltar. E tudo porque as educamos a ser educadas, a respeitar os mais velhos e os seus pares, a comportarem-se segundo os nossos (os meus!) padrões de boa educação. E em casa, quando estamos só as três, naquelas paredes de casa feliz, só ecoam gritos e choro e birras e discussões cada vez mais descontroladas e cheias de uma raiva que não deveria sequer existir no nosso imaginário - a delas por nós, a nossa por elas, a nossa um pelo outro!
E nesta casa que deveria ser feliz - porque temos tudo para o ser - mora cada vez mais a desilusão, a tristeza e o sofrimento! A mãe que está cansada de tudo o que o dia a dia acarreta e que quando entramos em casa e a porta se fecha deveria deixar os problemas lá fora, leva no bolso tudo o que acumulou durante o dia e explode com as pessoas mais importantes da sua vida. O pai que chega, tarde, com vontade de passar connosco o pouco tempo que o resto do dia permite, ouve, antes de abrir a porta, os gritos que fazem com que qualquer mortal não tenha vontade de entrar. E entra. E zanga-se cada vez mais cedo. E descontrola-se antes de, como fazia antes, poder e ter vontade para apaziguar o desconforto que paira no ar. Estamos a criar estas miúdas num espaço de pressão, de exigência exagerada... e os sorrisos e as brincadeiras e a naturalidade e espontaneidade moram cada vez menos ali!!!! E eram (e são!) tão felizes estas miúdas bonitas que a vida nos ofereceu! Estou a roubar-lhes a alegria inata de uma criança que tem tudo... e não pode fazer nada! Não quero que elas sejam perfeitas, nunca lhes almejei tal destino, mas quero que trabalhem e que se esforcem, que respeitem todos à sua volta e, principalmente, que se respeitem uma à outra! Mas estou a destruí-las, a colocar as suas necessidades em segundo plano... porque sei que o mundo é cruel (e as crianças também!), porque não quero que sofram humilhações e não sejam rebaixadas... e esqueço-me que são pequeninas e que a calma, a paciência, a condescendência, o colo - E O AMOR!!!!! - fazem com o que o processo seja muito mais ligeiro para todos!
E tenho de me lembrar disto todos os dias... quando o pai me chama à atenção para eu acalmar, quando as vejo descontroladas e não consigo controlar esta criança de 43 anos para as conseguir acalmar, para lhes dar o abraço que elas precisam... nunca me disseram que iria ser fácil... mas também nunca ninguém me alertou para o esforço desgastante de criar um filho, dois... ou mais! E elas são as pessoas mais importantes da minha vida e são seres em construção... e as fundições da sua existência não estão a ser construídas com os alicerces necessários. Merda para mim! Mas vou mudar, como aos pouquinhos estou a tentar fazer. Prometo que vou! Por elas e por nós! Prometo que vou!!!!
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