sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Seja bem-vindo, Sr. 2024!

Ano novo, vida nova... é tudo o que desejamos no bater das 12 badaladas da meia-noite, não é? E tão bonito seria se os nossos desejos se realizassem... mas não. Continua tudo exatamente como estava no final de 2023 (em 5 dias pouco ou nada se pode mudar. Afinal, somos comuns mortais sem super poderes!).
Falei há uns tempos com uma amiga especial que me disse (tal como ele já me disse milhentas vezes!) que deveria encontrar alguma coisa que me fizesse sentir realmente bem, que me preenchesse e me fizesse sentir útil e mais feliz. Estas coisas não se forçam, fechamos os olhinhos e esperamos que nos caiam do céu! Talvez não, talvez se quiser realmente alguma coisa que me eleve para outro patamar, tenho de procurar e resignar-me à real necessidade de mudança, para que tudo à minha volta se viva num ambiente mais tranquilo, com menos discussões e mais paciência... com mais amor, como lhes prometi no dia em que nasceram!
Pensei em escrever... mas as palavras já não fluem como sempre fizeram... a espiral desenfreada até ao final de cada página já não revoluteia da minha mente para a ponta dos dedos. Sinto-me (tal como da última vez que escrevi) oca e vazia! E triste. Incompleta. Quebrada. Irremediavelmente quebrada.
Já não me recordo do momento em que todos estes sentimentos foram despoletados. Talvez a partida precoce do meu pai ou o nascimento repentino das minhas filhas. Talvez a galopante perda de visão da minha mãe ou as constantes desavenças com a minha irmã. Talvez o facto de passar os meus dias a lidar com crianças e adolescentes, a ter toda a calma e paciência do mundo para filhos de outros pais me roubar a calma e paciência que deveria ter para as minhas filhas. Talvez... tudo isto ou nada disto! Sou fraca e inconstante, talvez até um bocadinho bipolar! Sou alegre e contente e simpática... tanto como sou arrogante, resmungona e autoritária! Estou cansada de pessoas. Penso que basicamente será este o meu maior problema. Ou... talvez... esteja apenas cansada de mim e da forma como me habituei a viver, como me permiti acomodar à vidinha que tenho sem fazer esforço algum para alterar o que quer que seja!

Escrever sempre me limpou a alma, tal como chorar! E já há demasiado tempo que não faço uma coisa nem outra, verdadeiramente, de coração inteiro!

Ano novo... a mesma vida... os mesmos queixumes... a mesma monotonia nas palavras e nos sentimentos. A mesma apatia e a mesma revolta. Os mesmos gritos e os (cada vez menos existentes) sorrisos rasgados que sempre me caraterizaram. A Anita está a morrer e a Ana crescida está a permitir que isso aconteça! Saudades de me deitar com elas no chão de casa e me perder nos jogos e nas invenções delas. A escola (que acaba por ser mais uma desculpa!) rouba-nos demasiado tempo para sermos felizes, para brincarmos e sorrirmos, darmos abraços e vivermos na nossa bolha de amor! Não quero perder os sorrisos das minhas filhas e o olhar apaixonado do meu eterno namorado! E não quero perder a réstia da essência de meninice que ainda guardo em mim. 

Em 2024 PROMETO... não prometo mas tentarei lutar por mim, cuidar de mim, amar-me... para ter força para o resto. É isto.


terça-feira, 5 de setembro de 2023

O vazio da mente... e a alma cheia!


Sinto-me oca. E cansada.
Inúmeras vezes sinto necessidade de ir buscar o computador arrumado num canto para escrever - coisa que sempre me limpou a alma - e depois falta a vontade e a coragem e, sobretudo, as palavras. Como podem as palavras faltar a quem sente que tem tanto para dizer?? Mas faltam... e sobram da minha boca que se abre demasiado para, não raras vezes, dizer o que não deve, mesmo sendo o que o coração sente! O coração numa boca que não se exprime quando deve ou quando pode. Aí, quando nos dizem o que não queremos ouvir (ou não queremos aceitar que seja verdade!), a boca fecha-se, bem fechadinha, como um fecho de correr enferrujado!
Há uns anos que venho prometendo a mim mesma que jamais voltarei a ter um mês inteirinho de férias para me dedicar em exclusivo a elas... e há todos esses anos que isso me esgota, me extenua e me consome. As minhas filhas consomem-me! E quando digo ou penso assim merecia ser esbofeteada, com força! Afinal, elas são o melhor de mim, a minha melhor fatia, os pedaços em que dividi o coração no momento em que nasceram... e deveria querer aproveitar todos os momentos que o tempo me oferece E quero! Mas, quando lhes guardo todo esse tempo, não lhes dou o melhor de mim, porque não cuido da pessoa que as cuida sempre. Não cuido de mim e sinto-me anulada... e, por isso mesmo, uma má mãe!
E quero tanto ser perfeita, almejo tão desmesuradamente a perfeição delas que nos vou destruindo, pouco a pouco.
E sinto-me oca. E cada vez mais cansada.
E no final de cada verão a promessa e o compromisso que assumo comigo é sempre o mesmo: o de cuidar-me mais para poder ter condições para cuidar delas no ano seguinte. E volto à estaca zero!
Terminaram o primeiro ano com boas notas... e para mim não é suficiente! Passaram as férias inteiras sem pegar na pilha de livros que deixei amontoada no canto do quarto de brincar e zanguei-me! Zango-me sempre quando aquilo que idealizo não se concretiza! E defendo com unhas e dentes que as crianças precisam de brincar, de ser criativas, de ser livres... quando se trata dos filhos dos outros! Mas deixo-as brincar e ser livres! Só me dói cada vez mais a falta de ligação que existe entre elas, entre estas gémeas que me parecem diferentes de tantos outros que conheço! Sei o que significa partilhar espaço com irmãos. Cresci a ter de partilhar tudo com duas irmãs com idades muito próximas da minha e a minha mãe enlouquecia muitas vezes por atitudes e comportamentos menos corretos da nossa parte. Mas estas duas, as minhas, estão saturadas uma da outra! Passam o ano inteiro juntas - em casa, na escola, no ATL, na ginástica, na natação, na casa dos avós, na casa dos amigos, em festas de anos... estão constantemente juntas e é notória, cada vez mais, a falta de independência uma da outra, a que é sombra e a que quer estar sempre nas luzes da ribalta! E é notória, cada vez mais, a minha falta de tolerância para com uma e a minha condescendência para com a outra. Sou injusta! E tenho, cada vez mais, vontade de separá-las, para que possam crescer por inteiro, para que possam conhecer o seu próprio espaço e o seu próprio ser. Para que possam ter, cada uma, os seus amigos e manter, se possível for, alguns amigos em comum. E que assim, no final de cada dia, voltem para a casa que é das ambas, para os pais que são das duas, para o abraço que só a elas pertence. Estão cada vez mais desafiadoras, cada vez mais donas dos seus pequenos narizes arrebitados, mais teimosas e dissimuladas, mais espertas que um raio... mais doces e carinhosas! Estão mais tudo... e eu cada vez mais nada....
E sinto-me oca. E exausta...



terça-feira, 11 de abril de 2023

Somos instantes...

..."saudades daquele tempo em que parecia que não tínhamos tempo para nada..."

E tínhamos todo o tempo do mundo, não era? Santa inocência da pré-maternidade... antes de pensarmos sequer em ser mães! Há 9 dias cheguei aos 44 e os dias que antecederam a efeméride foram tensos e tristes... sinto sempre que me estão a roubar vida, estes dias que teimam em correr demasiado rápido como se houvesse pressa para chegar à meta final! Estou perto dos 45, que são um saltinho até aos 50! E isso assusta-me, assusta-me como os 18 e os 30 me assustaram e me deprimiram e me fizeram sentir esmagada por este tempo que não se demora! E agora, mais do que nunca, preciso de tempo, tempo para mim, tempo para nós.... muito tempo para elas! tempo e paciência, calma e braços esticados para as abraçar... e o tempo não estica! E elas já não são pequeninas (apesar de serem), já não me solicitam para tudo (apesar de me chamarem sempre!)... já não precisam tanto de mim (apesar das 500 vezes em que a palavra "mãaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaae" ecoa nas nossas quatro paredes). E amiúde já consigo respirar... e às vezes sinto que não respiro o suficiente.... e às vezes sinto que já não consigo respirar sem tê-las a sugar-me o ar! São estas dualidades que me fazem travar a fundo no precipício que se abre aos meus pés, no decorrer dos dias, quando lhes peço espaço, no cair da noite quando só quero que se enrosquem comigo no sofá para lhes contar histórias que muitas vezes não querem ouvir (mas que já me ajudam a ler!). Tenho saudades de não tê-las... e um pavor crescente do exato momento em que não quererão mais ter-me junto a elas. Em que se esconderão atrás das portas dos seus quartos, num mundo que exigiram só para elas, e me excluam... como eu fiz aos meus pais! Acabamos sempre por afastar aqueles que mais amamos, aqueles de quem mais dependemos, aqueles que nos dão tudo... e a quem é mais fácil fechar do lado de fora da nossa vida! Sofro, sofro sempre muito (demasiado!) por antecipação, talvez por isto mesmo - por saber o que fui e quem magoei, por ter crescido longe e afastada e independente... mas também me conforta saber que, ainda hoje, quando os medos me assombram e os nervos me assolam, o colo da minha mãe está ali, da minha mãe de mãos enrugadas (que me afaga o cabelo como ninguém), da minha mãe a quem a vida roubou tanto e a quem está a fazer envelhecer numa escuridão cada vez mais presente! Sinto tanta, tanta, mas tanta raiva da vida da minha mãe!!! Trabalhou até poder (muito mais tempo do que deveria ter trabalhado!) para que nada nos faltasse! É pai e mãe há mais de 20 anos! E está sozinha, apesar de todos os que tem por perto, entrelaçados nos dedos dela, não tem as mãos daquele a quem jurou amar eternamente! E não é justo! E tem filhas e netos e genros e muitos amigos que gostam incondicionalmente dela e estão sempre a um passinho quando é preciso. Mas nas noites, nas noites em que a luz do sol se esvanece e a escuridão lhe irrompe pela casa... o silêncio que a abraça sem lhe tocar, a voz que lhe sussurra sem se deixar ouvir...  sei que adormece sempre triste, a minha mãe. Triste pela casa vazia, triste pelos olhos que lhe estão a morrer... e o que peço a esta vida, é que lhe conserve a pouca luz que ainda vê para que possa ver os netos crescer e a ter aquela energia para ainda inventar jogos e brincadeiras que os fazem felizes! 
E não era este o rumo que queria dar à minha "aparição" nestas páginas brancas... mas são todos estes pedaços de mim que me fazem olhar para o lado de lá da ponte com medo, com receio de atravessar. Temo que do outro lado os degraus me fujam e me façam cair... e me tirem o chão! Somos instantes...

(foto bonita de dias bonitos com a mão que não se desprende da minha*)








quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Por elas... e por nós! ❤❤❤❤

 "Não quero esta família para nada!" Foram estas as últimas palavras que ouvi ontem, antes de apagar a luz para mais uma noite de normais sobressaltos... quando as paredes brancas do quarto escureceram, depois de dar voltas e voltas na cama, passou-me a mão pelo rosto, afagou-me os cabelos e encostou a minha cabeça ao seu peito, como faz sempre, depois de se acalmar, ponderar sobre o que fez ou disse e sussurrou-me ao ouvido "Eu não queria dizer aquilo, mas estava muito zangada. Eu quero esta família"...
Em silêncio, só para o meu coração ouvir, as lágrimas ganharam vida e ela adormeceu no meu abraço.


A vida não tem sido branda connosco. Entraram para a escola, para um lugar onde tudo era desconhecido - colegas, professores, auxiliares, paredes e espaço exterior. Estão a adaptar-se às pessoas, à rotina, aos trabalhos de casa, ao estudo... à nova realidade. Estão a descobrir quem são num mundo novo, num mundo onde querem encaixar e onde têm de se calar e engolir as lágrimas e os gritos estridentes, onde têm de esconder muito do que são em casa, na casa delas, onde extravasam no final de cada um dos dias em que acumulam aquilo que não podem soltar. E tudo porque as educamos a ser educadas, a respeitar os mais velhos e os seus pares, a comportarem-se segundo os nossos (os meus!) padrões de boa educação. E em casa, quando estamos só as três, naquelas paredes de casa feliz, só ecoam gritos e choro e birras e discussões cada vez mais descontroladas e cheias de uma raiva que não deveria sequer existir no nosso imaginário - a delas por nós, a nossa por elas, a nossa um pelo outro! 

E nesta casa que deveria ser feliz - porque temos tudo para o ser - mora cada vez mais a desilusão, a tristeza e o sofrimento! A mãe que está cansada de tudo o que o dia a dia acarreta e que quando entramos em casa e a porta se fecha deveria deixar os problemas lá fora, leva no bolso tudo o que acumulou durante o dia e explode com as pessoas mais importantes da sua vida. O pai que chega, tarde, com vontade de passar connosco o pouco tempo que o resto do dia permite, ouve, antes de abrir a porta, os gritos que fazem com que qualquer mortal não tenha vontade de entrar. E entra. E zanga-se cada vez mais cedo. E descontrola-se antes de, como fazia antes, poder e ter vontade para apaziguar o desconforto que paira no ar. Estamos a criar estas miúdas num espaço de pressão, de exigência exagerada... e os sorrisos e as brincadeiras e a naturalidade e espontaneidade moram cada vez menos ali!!!! E eram (e são!) tão felizes estas miúdas bonitas que a vida nos ofereceu! Estou a roubar-lhes a alegria inata de uma criança que tem tudo... e não pode fazer nada! Não quero que elas sejam perfeitas, nunca lhes almejei tal destino, mas quero que trabalhem e que se esforcem, que respeitem todos à sua volta e, principalmente, que se respeitem uma à outra! Mas estou a destruí-las, a colocar as suas necessidades em segundo plano... porque sei que o mundo é cruel (e as crianças também!), porque não quero que sofram humilhações e não sejam rebaixadas... e esqueço-me que são pequeninas e que a calma, a paciência, a condescendência, o colo - E O AMOR!!!!! - fazem com o que o processo seja muito mais ligeiro para todos!

E tenho de me lembrar disto todos os dias... quando o pai me chama à atenção para eu acalmar, quando as vejo descontroladas e não consigo controlar esta criança de 43 anos para as conseguir acalmar, para lhes dar o abraço que elas precisam... nunca me disseram que iria ser fácil... mas também nunca ninguém me alertou para o esforço desgastante de criar um filho, dois... ou mais! E elas são as pessoas mais importantes da minha vida e são seres em construção... e as fundições da sua existência não estão a ser construídas com os alicerces necessários. Merda para mim! Mas vou mudar, como aos pouquinhos estou a tentar fazer. Prometo que vou! Por elas e por nós! Prometo que vou!!!!

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Aniversário...

Amanhã faço 43 anos! Comprei velas coloridas para enfeitar um bolo que irei fazer com amor, para os amigos que festejarão comigo e apagarei as velas depois de ouvi-los cantar para mim...
Sinto que amanhã faço 60 anos. dói-me o corpo. dói-me a alma. dói-me a pessoa em que me transformei nos últimos anos. Passo os meus dias a tentar ensinar (e a ser ensinada) os filhos de outros pais. passo os meus dias, muitas vezes, a ter de contar até 50 para os meus decibéis não rebentarem janelas e a minha força não cair sobre miúdos que poderiam ser os meus... e gosto muito do que faço! Sinto que contribuo, de alguma forma, para o crescimento destes pequenos seres em formação. e corro entre horas de almoço e finais de dia, para receber um abraço dos pequenos seres que cresceram dentro de mim. e corro em casa para que as noites não se alonguem, para que elas possam ter horas merecidas de descanso... e eu também. e estou tão cheia de tudo o que acumulei durante o dia que rebento ao mínimo estalido que ouça, à mínima contrariedade delas. elas que só querem o abraço e o mimo e a atenção que tiveram de partilhar com outros 20 miúdos pequeninos como elas. e eu poderia ser esse pote de mel no final de cada dia. e no final de cada dia poderia sentar-me com elas no tapete e ser a rainha daquelas princesas, ser a cliente do restaurante que elas gerem e onde confecionam com tanto amor toda a comida de plástico e madeira, com que enfeitam os pratos de todas as cores que habitam aquela cozinha maravilhosa de brincar, ser a senhora que vai fazer rabos de cavalo e prender no cabelo as mais de 500 variedades de ganchos... e ser ali, no nosso recanto, só delas, como elas querem tanto ser só minhas. e olho para o relógio e o tempo não para! e olho para dentro de mim e sinto-me a pior mãe do mundo por colocar o jantar e a roupa e a limpeza à frente de todo aquele amor... e é tão fácil ligar a televisão e servir-lhes uma taça de bolachas para que elas me deixem ter tempo para tudo. e elas ripostam e não querem. querem brincar e se não pode ser comigo, terá de ser uma com a outra... até ouvir gritos e chapadas e queixinhas porque não se entendem nem querem partilhar! E eu, em vez de perceber que elas só estão a pedir atenção, solto o que prendi durante todo o dia e rebento, para todo o lado, em todos os tons! E zango-me! zango-me tanto que sinto que já é o meu estado de espírito mais frequente em todos os dias que passam! E quando as acalmo e as sento à mesa para jantar, chega o pai, que só quer um abraço e um colo e três beijos... e zango-me outra vez porque destabiliza a paz que me deu tanto trabalho alcançar. e zangamo-nos os dois, um com o outro, os dois com elas... e a casa bonita onde só deveriam ecoar gargalhadas estridentes e cantigas que elas decoram na escola e gostam de partilhar, ecoam gritos e discussões e um número infindável de ameaças de castigos que nunca cumprimos! E a hora de deitar é mais uma chamada de atenção para toda a atenção que não tiveram durante o dia... e naquele momento em que nos têm aos dois, disponíveis para elas... volto a zangar-me porque é hora de ler uma história, tranquilamente, no colo de um de nós, deitar e adormecer e sonhar! E isso raramente acontece, porque querem brincar, porque as histórias já não as prendem como quando nos cabiam na mão, porque só querem prolongar aquele momento a 4... como crianças que são! E quando tudo acalma e nos enroscamos nelas até sentir que os sonhos já as embalam, saímos do quarto, pé ante pé e somos só os dois. E o cansaço de todo o dia e do final do dia e do romper da noite leva-nos novamente para longe... e a lareira crepita, a televisão acende-se e o silêncio entre nós volta a irromper... e há sempre tanto para dizer ou haveria, se não houvesse tudo o resto! E tudo o resto é o melhor que temos, o que fizemos e estamos a criar juntos! Nunca estamos totalmente felizes com a vida que temos, pois não? Nunca nos sentimos completos e realizados... e esse sentimento perdura até ao momento em que os nossos olhos se fecham para sempre e a culpa de não termos preservado e esticado todos os minutinhos felizes, nos consome e nos faz partir com arrependimento! 
Lamento sentir que o meu pai partiu assim, há quase 22 anos, sem ter tido tempo de ver tudo o que aconteceu desde aquele dia em que não nos viu mais. E perde-se tanto porque outros valores se interpõem nas nossas vidas, no nosso caminho! E digo constantemente que a vida tem de levar outro rumo, que tenho de me amar mais, me cuidar mais, sem ter de estar constantemente a cuidar das minhas filhas... e falta a coragem, vem o medo de perder algum momento importante e a culpa. Sempre a culpa por sequer ousar em pensar nisso! E elas estariam tão mais felizes (e são!) se eu estivesse bem comigo, se eu fizesse alguma coisa que gosto mesmo! E comecei a escrever este longo texto há 10 minutos e sei e sinto que poderia fazer isto durante dias a fio, sem nunca me cansar! Aqui, neste papel digital, sou eu. Sou a Ana verdadeira e sincera, sem máscaras nem esconderijos. Sou a Ana com os olhos a querer fechar para chorar em silêncio. Sou a Ana frágil e sensível que se liberta por soltar o que reprime para o teclado... sou a Ana que vai fazer 43 anos amanhã. Como se fosse fazer 60. Mas limpei a alma. E já não limpava este pedacinho de mim há tanto tempo! Escrever solta, purifica e rejuvenesce. 
Amanhã faço 43 anos... mas serei sempre a Anita do meu avô Zé! 
E as minhas filhas, que me caibam no colo até que os meus olhos adormeçam da vida para sempre. E que esse para sempre ainda venha longe, muito longe, para as ver crescer!
E o pai delas, que me abrace o peito como no primeiro dia que me abraçou. O meu mundo parou ali. O nosso mundo caminhou, lado a lado, desde esse dia.
Voltarei aos 43! 

quarta-feira, 28 de abril de 2021

O medo não morará sempre aqui.

Há meio ano pedi ao mundo para as deixar viver. Para que o vento se imortalizasse nos seus cabelos  e os sorrisos dos parques abertos e da liberdade de correr por eles adentro se congelasse naquele instante. O medo voltou a fechar-nos e a isolar-nos do mundo... e novamente voltou a abrir-nos as portas! Com medo.

"Que a força do medo que tenho

Não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo em que acredito

Não me tape os ouvidos e a boca;

Porque metade de mim é o que eu grito,

Mas a outra metade é silêncio..."

Que o medo nos faça sair descalços, pisar o chão nu, deitar fora as máscaras, voltar a sorrir e a abraçar e a beijar. Que o medo nos faça escalar montanhas, fazer piqueniques, rebolar na relva e partilhar merendas. Que o medo nos leve de volta à música, às montanhas de vozes em uníssono com letras decoradas, aos encontrões de cerveja entornada. Que o medo os conduza a todos os baloiços e escorregas e trampolins e os faça cair na areia, de cansaço. Que os suje e lhes lave o rosto com a água das fontes onde milhares de mãos se imaculam. Que o medo volte a encher os banquinhos de jardim à sombra, no Verão. E as praias e os rios ecoem vozes felizes e mergulhos corajosos.

Que o medo de NÃO VIVER, nos faça querer voltar a viver assim!




quarta-feira, 11 de novembro de 2020

O medo mora dentro de nós.

Medo. De respirar fora da máscara, fora de casa. De tocar, de abraçar e beijar. De sentir. De cruzar olhares que nos levem a uma aproximação que pode ser fatal. E os olhos dizem tanto, ao longe, agora. E agora, neste tempo que o tempo nos rouba, os olhos falam ainda mais. Sem lágrimas, sem brilho. Com medo. Medo de tudo. Medo de todos. Muito medo por todos os que têm o rosto enfeitado pelas linhas que lhes cravam as histórias de uma vida inteira. Medo de perder. Medo de perdê-los com um abraço que nos corrói a alma por não poder ser dado. Há mais de 8 meses que não abraço a minha mãe, que não lhe dou um beijo, como sempre dei. Todos os dias. E todos os dias a vejo, todos os dias lhe falo, todos os dias me ouve, me dá colo, ao longe. E tudo isto acaba por ser um disparate e uma ilusão. Abraço as minhas filhas todos os dias e dou-lhes colo e dou-lhes beijos e sussurro-lhes segredos ao ouvido, bem pertinho, tão perto quanto estivemos sempre, desde que elas fazem parte de nós. E elas abraçam a avó, dormem com ela, enroscam-se no colo dela. E eu não. E não lhes posso roubar isso. Não posso roubar-lhes as memórias e os cheiros e os segredos que as unem. Não tenho o direito de lhes roubar a infância. Não ouso tocar em nada sem saber que tenho o frasquinho de repelente do medo à mão. Mas se passarmos por um parque aberto, deixo-as correr livremente em direção aos baloiços para ter o prazer de lhes observar a felicidade nos olhos à medida que o vento lhes provoca uma dança nos cabelos que esvoaçam. E deixo-as apanhar flores e rebolar na relva. Deixo-as ser crianças. livres e felizes. É assim que todas deveriam ser. E é isto que nos querem roubar. O papão vive e sobrevive lá fora e alimenta-se do nosso medo, do medo de perder, do medo de sofrer. Do medo de morrer. Morreremos sem ter vivido?! Aprendamos a viver com tudo isto! Com cuidado e com os pés bem assentes na terra. Mas lembremo-nos da nossa infância e da forma livre como crescemos. As crianças precisam respirar fora das salas (o bicho também paira nesse ar fechado!!). Precisam sujar as mãos e a roupa, despentear os cabelos, beber água das fontes, trepar muros, correr! Correr muito! Precisam de cair e saber levantar-se. Precisam de ser crianças e precisam de outras crianças para o poder ser. Sem distâncias, com abraços e beijos. Como os ensinámos a ser. E o maior medo que tenho é de que guardem destes tempos a falta de tudo isso. O sentimento de lhes ter sido roubado o que nos foi sempre tão naturalmente oferecido.

A vida. A vida delas. A nossa vida. A vida de todos.

Protejam-se. Cuidem-se. Cuidem-nas. E deixem-nas viver. Só.



quarta-feira, 15 de julho de 2020

a 13 de maio...



Faz hoje 2 meses que existiu para esta família (e para tantas outras!) o último dia normal deste ano (e muitos dias assim lhe seguirão).
Há 2 meses deixei-as na escola, fui trabalhar e no final do dia fui buscá-las... à saída a auxiliar despediu-se com uma lágrima à espreita e soltou um "espero que seja até breve. protejam-se!". Fomos ao 64º aniversário do avô, onde os mais próximos marcaram presença e voltámos à casa que se transformou prisão. Há brincadeiras, birras, despertares maravilhosos, confeção de bolos e bolachas em conjunto (sim, também já fizemos pão!), dias que parecem não ter fim. Há mil e quinhentas e mais umas poucas refeições para fazer, pó e cotão que se acumula e que ganha vida todos os dias. Há migalhas no sofá, nos tapetes, nas camas... há vestígios de habitação permanente em todos os cantos da casa! Há um lugar maravilhoso ao atravessar a estrada ao qual só agora dou valor. Aprenderam a andar de bicicleta, correm, fazem chocolate e bolos e bolachas com a areia, apanham flores... e voltamos a casa. Há euforia de cada vez que sabem que vamos sair de carro, como se fosse a primeira vez. Com um brilho no olhar que nos remete para as primeiras descobertas. São tão incríveis, as crianças! E eu gostava de ser assim. Gostava de saborear todos estes momentos e sentir o gosto que lhes corre no corpo e na alma. Saboreio-as agora mais do que nunca. Mais do que nos primeiros 5 meses de vida, em que a casa era só nossa, das 3 mosqueteiras durante o dia até chegar o nosso D'Artagnan para a felicidade ser completa. Nessa altura elas ainda não entendiam o que as rodeava, passavam os dias a comer e a dormir (e a sujar fraldas!). Agora são independentes, donas do seu nariz, senhoras de si... e tão pequeninas quando se nos embrulham no colo e voltam à tenra idade com que vieram ao mundo! E sei e sinto que estão felizes, estão sempre juntinho a nós, não têm de partilhar a irmã com os outros meninos... mas sinto que lhes está a ser roubado tanto! Estão crescidas, juntinho a nós crescem sempre mais (é o que sentimos no final das férias de verão - dão muitos saltos, os da altura e os do desenvolvimento motor e cognitivo!) mas faltam-lhes outros colos, outros abraços, outras brincadeiras em conjunto, outras lambuzidelas na cara e no coração! Falta-lhes a alegria no início de cada jornada à chegada à escola "olha, já chegaram as manas!". Não quero viver de queixumes, estamos felizes, seguros e saudáveis. E há quem não esteja. E há, principalmente, quem já não esteja cá para sentir o que quer que seja. Tenho as minhas filhas no colo! Tenho uma mão que não descola da minha e juntos somos uma equipa maravilhosa! Mas sinto falta de mim, do meu espacinho, do meu trabalho, dos "meus" meninos, dos almoços diários com a minha mãe, dos cafés à pressa de manhã com os colegas, dos encontros de fim de semana com os amigos e com a família. Perdoem-me os sensíveis às querelas dos outros. Sou livre de dizer e escrever o que penso e sinto e o que sinto é cansaço. Só.


A imagem pode conter: sapatos, relva, planta, ar livre e natureza










sexta-feira, 27 de março de 2020

Colo em tempo de guerra.

Sempre fui menina de trocar a rua pelo conforto do lar (sempre, a partir de uma certa idade ou de algumas circunstâncias da vida...). Em dias de preguiça, não troco o pijama por quaisquer vestidos ou ornamentos e pinturas que me enfeitem o rosto e o cabelo que nestes últimos dias sobrevive desgrenhado. À varanda, do alto deste terceiro andar com a minha Gardunha (ao longe) e um pedacinho da Estrela a perder de vista, não há condutor ou transeunte de beira de estrada com lupa para me observar, para trespassar as quatro imensas paredes que nos separam do resto do mundo nestes últimos 14 dias. Saio de quando em quando com as miúdas para quebrar rotinas impostas e dissipar energias acumuladas por este isolamento. Saímos de casa e elevo a voz com um vinculado "a primeira a tocar em alguma coisa, parede ou botão, volta imediatamente para casa". Elas cumprem, envolvem-se nos braços uma da outra, encostadas a mim para sair imaculadas do elevador, em que cuidadosamente acciono cada botão com o cotovelo, não vá o diabo tecê-las! Saímos pelo portão da garagem (aberto igualmente com o cotovelo) e respiramos enquanto atravessamos um corredor rodeado de pinheiros e cheiro a liberdade, que saudamos com os braços erguidos, acompanhados com uma inspiração profunda. Penso que as ensinei a fazê-lo para guardarem aquele cheiro no cantinho da memória, caso tenhamos que lhe recorrer quando até essas fugidas nos forem proibidas!
Antes de nos deitarmos a correr em perseguição conjunta num campo que outrora foi palco de disputas entre escolas, pisamos a terra húmida com os pés nus e sopramos dentes de leão com a força que julgamos ser capaz de enviar para longe todos os papões que nos assombram as jornadas!
Regressamos então à "prisão" segura, uma vez mais sem em nada tocar, e à rotina, entre jogos de esconde e apanha, de construção de castelos e casas e torres e muros que nos isolam. Aprendi que os puzzles são uma boa terapia para mim. Deixam-me absorta das notícias que me assolam os pensamentos 24 horas por dia (mais horas houvesse para preencher o vazio de um cérebro que em mais nada pensa!). Os milhares de sugestões de brincadeiras e atividades para entreter os miúdos são de uma boa vontade incrível, mas não os abro, não percorro o ecrã do telemóvel à procura de mais uma ideia que nos ajude a ultrapassar os dias. Não faço planos (apenas refeições!), deixamo-nos levar pelo passar das horas, dos dias e das semanas que já atravessámos e dos muitos que ainda nos irão ser "oferecidos" por um inimigo sem rosto, sem cheiro, sem imagem! Passei a ter medo de tudo. Não faço compras, não socializo, levo sempre o gel para lhes limpar o meu medo, toquem onde tocarem. Limpo meticulosamente cada divisão e cada superfície porque me exacerba a ideia de que o inimigo possa ter entrado por uma fresta de janela que abro todas as manhãs para que o sol nos ilumine e nos dê alento para o que aí vem! Adormeço com as imagens que rebobinamos do noticiário, todos os dias, ao final de cada dia e que me apavoram. Vejo os vizinhos deste país pequenino tombarem sem ninguém para lhes amparar a queda, sem ninguém para lhes dizer adeus. O que lhes dizem, a esses a quem a esperança não assiste é que "já não posso fazer nada por ti"... e partem, sozinhos. E são amontoados em caixas de madeira, onde as mesmas couberem, à espera que o lume se acenda para lhes evaporar o último sopro. E as camas, os cadeirões, os colchões que se amontoam em corredores porque os quartos já não têm espaço para mais um, os médicos e enfermeiros e auxiliares estão demasiado assoberbados e exaustos com tudo isto. E não desistem. Não baixam os braços. E até eles, esses a quem estupidamente só agora aplaudimos e elogiamos, tombam! E penso, noite após noite, que quando o nível de horror chegar a este jardim à beira-mar plantado, vai ser pior. Todos nós vamos ser postos à prova, TODOS! E, quando tudo terminar (ou apaziguar) vamos continuar, dia após dia a viver com medo, petrificados com qualquer pessoa ou objeto ou divisão ou superfície que não esteja imaculadamente limpo, porque o filme pode estar novamente por detrás das cortinas pesadas de um cinema em remodelação causada pela destruição de outrora.
Por ora, aproveito o tempo que nos dá tempo para vivermos os quatro para os quatro e para mais uns quantos que podemos "visitar" nos ecrãs que nos abrem janelas para o nosso mundinho que sobrevive lá fora. Neste momento, vivo mais intensamente o colo que não consigo dar nos dias normais. Sento-me no chão. Rebolo e sou outra vez menina como elas. Como só elas sabem transformar-me. E volto a ter medo de não ter tempo para voltar a estes momentos quando tudo isto passar, seja lá quando isso for.

A imagem escolhida é uma pintura de Klimt - Mother and Child que traduz a palavra que melhor descreve este recolhimento: COLO.





quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

2020.

e, num ápice, chegou 2020. 
e, num ápice, a minha vida já ocupou mais de 4 décadas no mundo. uma luz pequenina neste mundo tão imenso. vivi tanto e lembro-me de tão pouco. sei (porque sinto!) que tive uma infância feliz. tive a sorte de nascer numa família rodeada de amor. tive o privilégio de conhecer 3 dos meus avós e de ter sido a Anita durante o tempo que eles duraram. tive a honra de ser educada (e mimada!) por muitos adultos. tive o infortúnio de os ver partir demasiado cedo e não ter podido dizer adeus. visitei os 3 no hospital e no lar, onde passaram (uma vez mais) demasiado tempo até que a vida os permitisse partir sem mais dor. tinha eu 12 anos. e a pureza da infância ganhou uma cor mais escura, ganhou a cor da perda de uma parte de mim. deixámos de ter um quintal de fim de semana onde corríamos livremente e podíamos cair sem qualquer preocupação. havia tantas bocas para nos sarar as feridas! deixámos de ter as cerejeiras de primavera para trepar e chegar lá acima e comer, ainda na escada, aquele fruto que ainda me faz brilhar os olhos pelas memórias que carrega. mas os cheiros. ah! o aroma a lareira acesa na cozinha (sem as usurpadores cassetes que nos limitam o olfato!), as batatas fritas em azeite, o feijão cozido em panela de ferro. o avô Zé sempre de braços abertos e de olhos azuis raiados de felicidade. a avó Ana, com quem a vida foi demasiado injusta e não conseguia demonstrar mais. mas era boa, a avó. a avó Luzia, que foi tantas vezes primeira e segunda mãe. tinha os olhos claros como a água quando é pura e cristalina, o cabelo metricamente preso num chinó, que quando solto lhe passava a cintura. tinha cara e cheiro de avó e um colo que nunca vou esquecer. o corpo nunca esquece o calor que o fez feliz. às vezes, quando a saudade aperta e a memória teima em não cooperar com o que precisamos sentir, fecho os olhos e o colo está lá. o colo, o cheiro, o mimo. o amor!
9 anos depois... 9 anos! 9 ano depois partiu o pai. tão pouco tempo depois a minha alma mirrou-se. ficou pequenina. fiquei vazia. demorei mais de uma semana a permitir que as lágrimas me caíssem. segurei-as até ganhar coragem para me sentar num muro frio do cemitério a olhar um pedaço de terra com relevo, onde já não havia nada mais que um corpo. já não era o meu pai. o meu pai tinha partido alguns dias antes de partir. quando o visitei no hospital, lhe segurei a mão e o olhei nos olhos, ele já não estava ali. não respondeu à força que quis passar-lhe através da pele. o meu pai já não morava ali. e chorei. chorei antes de todos chorarem porque sabia que já não voltaria a vê-lo. já não voltaríamos a discutir e a magoar-nos um ao outro (como demasiadas vezes aconteceu). já não voltaríamos a sentar-nos numa esplanada a beber cerveja enquanto eu devorava 2 doses de caracóis, à espera que a mãe regressasse da missa. já ninguém me compraria cigarros às escondidas da mãe. já não soariam mais gargalhadas. já ninguém voltaria a dizer "olha, já chegou a comprida!" ninguém. ninguém me amou assim. nunca magoei ninguém como o magoei a ele. nunca. e ali, naquele muro que me gelou num assolador fim de julho, chorei. chorei de arrependimento e de saudade. passou-me a vida pelos olhos. a que vivi , a que vivemos, a que ele não poderia viver mais. é a pessoa que me faz mais falta. é a pessoa que mais raiva me faz ter da vida por não poder vivê-la comigo. por não poder ver as minhas filhas crescer. por não poder levá-las a passear e a fazê-las amar a natureza e os dias longos de verão como fez connosco. chorei sozinha e voltei à fortaleza que construí à minha volta uma semana antes. nunca mais fui a mesma. tento lembrar-me muitas vezes do momento em que perdi a menina que vivia em mim e tenho a certeza que foi nesse dia. no dia em que ele partiu e levou com ele o amor que tínhamos. tenho a certeza que neste momento seria mais condescendente, mais branda, mais flexível. as minhas filhas vão crescer, como eu, sem ter conhecido o pai da mãe. e falam tanto nele. porque eu falo nele, porque lhes mostro fotografias do avô Aníbal com aquele sorriso contagiante. e falo com ele, quando sinto que ninguém me entende. e peço-lhe desculpa por me ter tornado nisto. não foi esta pessoa que ele deixou para trás. não foi. depende de mim mudar. mas passou tanto tempo. vivo há tanto tempo fechada em mim que não concebo outra forma de viver. não admito que me contrariem, que me contradigam, que me desafiem. que me amem. que exemplo estou a dar a estes dois seres pequeninos que dependem de mim?! que lembranças lhes estou a cravar na memória?! tenho tantas vezes  vontade em desaparecer por sentir que faço mal a demasiadas pessoas. obrigo-me a estar presente em ocasiões especiais (ou casuais) por respeito ao pai delas que, apesar dos pesares, das discussões constantes, do meu tom ríspido e arrogante, me ama e quer que continuemos a ser a família que nos propusemos construir. e não consigo corresponder às expectativas. sinto que perdi a capacidade de mudar. mas quero vê-las crescer, quero fazê-las felizes e quero ser feliz com quem me escolheu para o ser. 
resoluções?
ser feliz. fazer com que os outros não se coíbam de ser naturais na minha presença. ser feliz. viver em paz.
e já vivi em 5 décadas. e quero e preciso viver muito mais. criar um álbum de memórias que dê prazer folhear quando eu partir... sem deixar ninguém irremediavelmente quebrado.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

resoluções 2019.

Estamos a aproximar-nos daquela altura do ano em que, quer queiramos quer não, acabamos por fazer avaliações (mais ou menos conscientes) do que vivemos desde janeiro. É época de resoluções e de promessas, de uma vontade desmesurada de mudar aquilo que correu menos bem (ou muito mal!) e de uma crença de que tudo vai ser diferente a partir do 1º de janeiro seguinte. E é aqui que eu paro. fecho os olhos. faço rewind na minha memória. e errei. errei tanto. aliás, erro cada vez mais. com os outros. com elas. com ele. comigo. não sou justa comigo. faço o que não quero e juro tantas vezes não voltar a fazer. grito e esperneio porque não me dão a atenção que (acho) que mereço. não me ouvem. e é normal, eu também deixaria de me ouvir! 
E o que fazer para mudar tudo isto? nada. não preciso fazer nada, a não ser respirar que é o que o ser humano já faz com a naturalidade que lhe é inerente. R-E-S-P-I-R-A-R.
E deixar-me de merdas! penso que, basicamente, é isto. deixar de me preocupar tanto e viver mais. ser mais condescendente e menos crítica. contar até 10 (ou 100!) antes de abrir a boca. mas RESPIRAR engloba tudo isto. Há cerca de um ano já tinha consciência do que estou a escrever, até porque o escrevi... há 1, há 2 e há 3 anos. mudei? NÃO! vou mudar agora?! QUERO! quero muito viver em paz e fazer com que quem me rodeia viva da mesma forma. quero que as minhas filhas se lembrem de uma mãe feliz, cansada mas feliz. que se sentava com elas a fazer puzzles e a destruir plasticina. que rebolava com elas nos chão e lhes amparava as cambalhotas. que lhes curava as feridas e as tristezas com um beijo e um abraço. só isso. quero que, daqui a (espero!) muitos anos, depois de eu partir, parte da noite de natal delas seja a falar da mãe que era feliz e que lhes tornou a vida branda, a infância livre e lhes amorteceu as quedas, deixando-as sempre cair. a mãe-colo! quero ser recordada assim. não como sou hoje. não uma pessoa que se emociona com qualquer anúncio ou filme mais enternecedor que retrate o que a minha realidade deveria ser. quero ser a protagonista dos filmes a cores, dos filmes felizes. com lágrimas. com desilusões. com a cabeça levantada e o orgulho intacto! deixar o coração cheio a quem fica e a quem partilhou a vida comigo, de mão na mão... "até sermos velhinhos, sim?"
só tenho de respirar, não é?! 
Então vá.... inspira. expira. inspira. expira. Vai... vai, sê e deixa os outros felizes!

terça-feira, 26 de novembro de 2019

outono...

Ai outono! De quentes e ternas cores. De tons dourados e flamejantes. Ai outono que tanta mudança almejas. Que fazes as folhas cair e os chão cinzentos e frios cobertos de um manto repleto de cor! Ai outono que me aquece os olhos. Os olhos que tantas vezes se enchem de lágrimas por tanto e por tão pouco... cada vez mais! Tudo me emociona... tudo me enraivece. Já não há meio termo ou copo meio cheio. Há transbordo e explosão... há muito pouca contenção. E os olhos brilham com a tristeza e a alegria alheias. A minha vida... a minha vida é toda uma miscelânea de sentimentos que colidem entre si! Os meus dias são corridas de fórmula 1... e o meu carro já não tem a cilindrada de outros tempos para ganhar o percurso. Ganhar... ganhar o quê se a vida vida já me deu tanto... já tanto me tirou?! Tirou-me o chão e deu-me asas! Tirou-me a alma e encheu-me o coração e o colo! Tirou-me o sorriso e iluminou-me o rosto! Tirou-me a essência e presenteou-me com brilhos no olhar constantes! Sou uma afortunada... e uma insatisfeita. Sempre fui! E aquele blá blá blá do "temos que dar valor aos presentes da nossa vida e deixar de lado as insignificâncias que nos consomem" faz mesmo sentido! Mas para mim não faz sentido nenhum! Porque raio não podemos ter tudo o que nos faz felizes?! Porque temos de continuar a ver as pessoas partir deixando um enorme buraco de nada, repleto de memórias e lembranças e uma saudade que nos consome?! Será assim tão difícil agradecer os blá blá blá's da vida e ser, simplesmente, feliz com o que tenho?! Nada tem de ser tão perfeito como o que almejo. Nada tem de ser tão bonito e tão brilhante como gostaria. As minhas filhas não são bibelôs nem figuras de montra de Natal. Não são sossegadas e comportadas. Gritam, esperneiam e fazem birras que me dão vontade de arrancar o meu cabelo (e o delas!) um a um. Têm o mau feitio da mãe... e a doçura do pai! E dão os melhores abraços do mundo! E os beijos?! Os beijos que nos lambuzam a cara (e nos dão vontade de guardar aquela sensação numa bolha eterna!)! E as gargalhadas que ecoam pela casa e lhe dão vida?! Vida e desarrumação e pó e bonecos despidos e peças de puzzles espalhadas e tapetes e paredes pintadas com as cores que deviam desenhar em papel! É tudo tão bonito e eu sou tão estúpida que não vejo isso!!! De que me lembrarei, velhinha, sentada no meu cadeirão desbotado, a ver o Preço Certo e a comer filhós com doce de mogango e chá quentinho? Das birras e dos nossos gritos?! NÂO! Sentirei saudades das dores nas costas pelo colo que sempre dei... e sentirei a pele do rosto enrugado e seco... pelos beijos melados que já não recebe! Sentirei saudades dos bichinhos de conta enroscados em mim, dos "amo-te muito, mãejinha!"... e da casa repleta de sons que fazem desesperar qualquer vizinho! Ganhar.... juízo, Ana!! Ganha juízo e vive mais e resmunga menos! Abraça mais, respira! E ama!!!! Ama todos os dias!!! 
E, nesses dias de velhice e mantinha e braseira aos pés, que tenhas a mão que durante a vida se colou à tua e não partiu. E está ali, ao teu lado, com as mesmas rugas no rosto e o mesmo sorriso rasgado a lembrar o arco-íris que foi (e continua a ser!) a vossa vida!!!




domingo, 25 de agosto de 2019

O amor mora aqui.

Esta é a legenda da minha vida, da minha felicidade. Não são necessárias palavras ou qualquer descrição. É isto! O amor, a partilha, a cumplicidade, a entrega e dedicação, o espelho, as parecenças e diferenças. As três pessoas mais importantes da minha existência... e é com eles que mais grito, quem mais crítico, quem mais magoo! É com eles que perco mais a paciência... mas é também a eles que amo incondicionalmente, que entrego o meu mais sincero sorriso e os mais sentidos abraços! É nos meus braços, nos braços deles que existe o mais bonito e seguro lugar do mundo! Perdoem esta mãe, esta mulher cansada. Sou imensamente feliz! Por detrás destes olhos exaustos e deste corpo enfraquecido mora amor! Prometo-vos amor, mesmo que seja (demasiadas vezes) pautado por um tom menos terno, mais agressivo, mora um amor desmedido! Abracem-me muito, façam-me sorrir mais vezes (sim, muito mais vezes!), façam-me cantar e dançar e ser menina com vocês (não como vocês, como muitas vezes teimo em comportar-me!).
A mãe mora aqui. A mãe Ana morará sempre aqui, com amor.