quarta-feira, 11 de novembro de 2020

O medo mora dentro de nós.

Medo. De respirar fora da máscara, fora de casa. De tocar, de abraçar e beijar. De sentir. De cruzar olhares que nos levem a uma aproximação que pode ser fatal. E os olhos dizem tanto, ao longe, agora. E agora, neste tempo que o tempo nos rouba, os olhos falam ainda mais. Sem lágrimas, sem brilho. Com medo. Medo de tudo. Medo de todos. Muito medo por todos os que têm o rosto enfeitado pelas linhas que lhes cravam as histórias de uma vida inteira. Medo de perder. Medo de perdê-los com um abraço que nos corrói a alma por não poder ser dado. Há mais de 8 meses que não abraço a minha mãe, que não lhe dou um beijo, como sempre dei. Todos os dias. E todos os dias a vejo, todos os dias lhe falo, todos os dias me ouve, me dá colo, ao longe. E tudo isto acaba por ser um disparate e uma ilusão. Abraço as minhas filhas todos os dias e dou-lhes colo e dou-lhes beijos e sussurro-lhes segredos ao ouvido, bem pertinho, tão perto quanto estivemos sempre, desde que elas fazem parte de nós. E elas abraçam a avó, dormem com ela, enroscam-se no colo dela. E eu não. E não lhes posso roubar isso. Não posso roubar-lhes as memórias e os cheiros e os segredos que as unem. Não tenho o direito de lhes roubar a infância. Não ouso tocar em nada sem saber que tenho o frasquinho de repelente do medo à mão. Mas se passarmos por um parque aberto, deixo-as correr livremente em direção aos baloiços para ter o prazer de lhes observar a felicidade nos olhos à medida que o vento lhes provoca uma dança nos cabelos que esvoaçam. E deixo-as apanhar flores e rebolar na relva. Deixo-as ser crianças. livres e felizes. É assim que todas deveriam ser. E é isto que nos querem roubar. O papão vive e sobrevive lá fora e alimenta-se do nosso medo, do medo de perder, do medo de sofrer. Do medo de morrer. Morreremos sem ter vivido?! Aprendamos a viver com tudo isto! Com cuidado e com os pés bem assentes na terra. Mas lembremo-nos da nossa infância e da forma livre como crescemos. As crianças precisam respirar fora das salas (o bicho também paira nesse ar fechado!!). Precisam sujar as mãos e a roupa, despentear os cabelos, beber água das fontes, trepar muros, correr! Correr muito! Precisam de cair e saber levantar-se. Precisam de ser crianças e precisam de outras crianças para o poder ser. Sem distâncias, com abraços e beijos. Como os ensinámos a ser. E o maior medo que tenho é de que guardem destes tempos a falta de tudo isso. O sentimento de lhes ter sido roubado o que nos foi sempre tão naturalmente oferecido.

A vida. A vida delas. A nossa vida. A vida de todos.

Protejam-se. Cuidem-se. Cuidem-nas. E deixem-nas viver. Só.